A revista "O Panorama" de 26 de Janeiro de 1839 nas suas páginas 28 e 29 tem um artigo referente ao Foros e Costumes de S. Martinho de Mouros que não resistimos a transcrever abaixo.
A revista era publicada aos sábados e tinha por nome "O Panorama Jornal Litterario e Instructivo da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis".
"Foros E Costumes Antigos De Portugal. 2.°
A Paginas 379 do antecedente volume démos uma breve noticia do que se encontra mais notavel e curioso no foralde Santarém ; tractámos ahi, egualmente, da grande luz que o exame e estudo desses antigos foros pode lançar sobre a historia do nosso paiz; continuaremos, por isso hoje, a dar noticia de tão importantes documentos, extraindo alguns capítulos dos costumes de S. Martinho de Mouros, antigo concelho da Beira , no districto de Lamego.
O foral que os precede oferece cousas communs a todos os foraes daquella epocha : pelo que toca aos costumes apontaremos deles o seguinte :
Todo о homem que ferisse alguem dos olhos para cima, pagava ao mordomo del'Rei trinta maravedís.
Se qualquer homem caía de alguma arvore e rebentava, ninguem o podía erguer ou tirar dalli sem licenca do juiz, sob pena de trinta maravedís: o mesmo costume regulava quando qualquer corpo morto vinha pelo rio abaixo, ou encalhava na margem.
Quando qualquer homem apparecia morto sem se saber quem o matara , eram penhoradas por trinta maravedís as tres aldeas mais próximas ao sitio onde apparecera o cadáver.
Todo aquelle que dava uma punhada na cara a alguem devia pagar-lhe um maravedí velho : se era bofetada com a mão aberta, tinha de pagar-lhe tantos cinco sóldos quantos eram os dedos da mão.
Sendo estes costumes examinados no ano de 1380, por Affonso Annes, corregedor d'elrei, no meirinhado da Beira , este alterou alguns délles , e entre outras cousas o seguinte :
costumava reunir-se o conseIho dos vereadores, uma vez por semana na feira as presas, que parece ser certo campo ou praça , e depoís aos pousadoyros [*].
Mandou o corregedor, a requerimento do conselho, que se reunissem dalli em diante debaixo dos carvalhos da egreja, e da a razao: porque os homens haviam de ouvir missa, e encommendar-se a Deus ; e porque é logar mais convinhavcl, e mais honra de Deus e da egreja.
Esta decisao, e as razöes della , pintam melhor aquelle seculo, do que um volume de chronicas.
Os vexâmes, que os nobres faziam naquella epocha aos povos , talvez em nenhuma parte apparecerào a tâo odiosa luz como nos costumes de S. Martinho de Mouros. Tractava о corregedor de emmendar as violencias dos fidalgos contra os peões, e era preciso que se díssesse quaes ellas eram :
dos différentes capítulos, que sobre isso mandou Affonso Annes lançar no livro dos costumes do concelho, se vê, em summa , que os fidalgos mandavam tirar aos lavradores tudo aquillo de que careciam, como aves , gado de toda a casta, pâo, azeite, vinho, palha para as cavalgaduras, sem pagarem nada, chegando a ponto de lhes tomarem a roupa da cama, e ficarem com ella, ou restituiremna feita já em pedaços; e mandando estragar as hortas daquella pobre gente, e arrombar-lhes as cubas do vinho, quando nâo davam immediatamente o que lhes pediam. Punham , além disso, quando queriam dinheiro, portagens, peagens, e outras alcavallas, nas passagens dos ríos ou nas entradas das povoaçoes, tirando assim grandes sommas dos povos.
Tambem costumavam quando achavam resistencia nos vereadores do concelho espanca-los, prende-los, e infámalos em juizo. Nas eleiçôes de juizes, ou nas decisôes dos julgamentos vinham os fidalgos ; faziam eleger quem lhes parecía, e depois absolver criminosos, e condemnar innocentes , a seu bel-prazer. Para atalhar tantos males, inpoz o corregedor graves penas contra os transgressores dos foros e costumes da térra ; penas que, porventura, nao embargaram a continuaçao das violencias."
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