segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

S. Martinho de Mouros – os Foros (costumes)

Numa época em que os usos e costumes eram a principal fonte das leis, é indiscutível a oportunidade da publicação desses códigos no reinado de D. Afonso IV.

Conhecem-se os foros de Santarém, Torres Novas, S. Martinho de Mouros e pouco mais, sendo o que nos interessa de 1342 (embora o documento refira 1380, trata-se da era de César, pelo que é necessário retirar 38 anos para a data actual).

EM nome de Déos amen. Era de mil trezentos oytenta anos, onze dias de junho, em Sam Martinho de Mouros , na dita eigreia ; Vaafco Peres, juys do dito logo, e Domingos Martins, e outro Domingos Martins, vereadores; e Martim Martins , e Joham Domingues , e Lourenço Añes , tabelioes no dito logo ; ajuntados pera efto, que íe adeante fegue, per mandado de Affonío Anes, corregedor por ElRey no meirinhado da Beyra : veendo e confyrando o que lhys era dito e mandado da parte delRey, per o dito corregedor, pera fe fazer ferviço de Déos , e delRey, e prol da terra; ordinharom efte livro das coufas en el conteudas, en que he pofto primeiramente o foro, que he dado por EIRey ao dito conçelho de Sam Martinho de Mouros, e outro fy os hufos e cuftumes , que poderom faber, que fe hufavam no dito conçelho de qualquer maneyra : a qual carta de foro era feita em latim, e tornaromna em lymguagem j e o teor déla tal he.”

Assim começa o documento.

Numa primeira fase é transcrito o foral de D. Teresa, tendo o Corregedor Afonso Anes exarado como despacho o seguinte:

A efto mandou o dito Affonfo Anes corregedor, que lhys feia guardado feu foro, que teem fcripto.”

Mantinha-se assim o principal dos direitos e deveres que vigoravam desde 1121, o que era importante em termos de estabilidade social e económica.

Eftes fom os hufos e cuftumes, que á no julgado de Sam Martinho de Mouros”.

Um bom início da parte em que eram analisados todos os costumes seguidos e, em cada caso, o Corregedor dava o seu despacho.

Na sua maioria o corregedor confirma os usos e costumes, no entanto em alguns referentes a causas judiciais ordena mexidas. Estas alterações vêm na senda das alterações que os reis vinham a tomar na tentativa de uniformizar o direito existente e na sua transferência para a alçada do poder real.

Neste sentido vão as alterações decididas pelo corregedor Afonso Anes no referente aos seguintes usos:

§ Os costumes determinavam que quem desse um soco (der punhada no rostro) pagasse um maravedi velho de multa e se desse uma bofetada (se der com na palma chãa) a multa seria de cinco soldos por cada dedo. Afonso Anes determina que caberá ao juiz o estabelecimento da multa tendo em atenção a envolvente do problema.

§ Sempre que se recorria ao juiz todos pagavam de acordo com as suas possibilidades. No entanto os moradores nas honras de Fonseca, Cardoso, Paredes, Fazamões e Vilarinho recusavam-se a pagar invocando o facto de residirem nessas honras. O corregedor determina que, independentemente da posição social das pessoas, desde que recorressem ao serviço do juiz, todos pagariam.

§ Sempre que alguém era preso ficava à guarda dos moradores do local onde a justiça o prendia. Afonso Anes determina que será sempre o meirinho a guardar os presos e se precisar de ajuda serão os membros das companhias do termo (milícias do concelho) a dar esse auxílio.

§ Sobre as medidas usadas, tendo em atenção que as de S. Martinho eram diferentes das de Lamego, determina o corregedor a sua uniformização, servindo as de Lamego como padrão. No entanto no pagamento ao rei devem continuar a usar as do concelho pois sempre assim o fizeram. Pretendia-se assim não aumentar as prestações dos habitantes ou não diminuir a renda do rei.

§ No caso das arbitrariedades dos nobres, o corregedor determina que estes devem pagar tudo o que requisitarem, sob pena de multas de quinhentos soldos, determinando ainda quais os locais onde podem abastecer-se de palha, o problema da roupa que os mesmos exigiam lhes fornecessem, etc. Ficam os habitantes do concelho mais protegidos das tropelias dos nobres.

§ Determinou ainda que todas as honras e coutos existentes no concelho passassem a ser abrangidas pelo poder real (mandou que fossem devassos e devassou-as todas e mandou que entrem em elas o juiz e o mordomo e todos os oficiais del rei como em terras devassas…).

§ Vedou a possibilidade de qualquer nobre estabelecer direitos de passagem ou outros e em caso de desobediência perca a terra (s) onde tal estabeleceu.

§ Punha em causa a presença de nobres nas eleições dos juízes pois estes manobravam para que fossem eleitos seus parciais, determinou que os nobres não podiam votar nestas eleições.

§ Ficou determinado que semanalmente, às quartas ou quintas feiras reunisse o concelho entre o final de missa de prima e as doze horas.


O documento termina com a seguinte sentença:

Mandou o dito corregedor, que o juyz que ora he de Sam Martinho de Mouros, e todolos outros que o forem daquy adeante, que façam comprir e guardar todalas cousas, e cada hua delas, que som conteudas em este lyvro; e que façam levaras ditas coonhas pêra o concelho. E qualquer juyz que o assim nom fezer, que pague a ElRey quinhentos soldos, e de mais correga de sua casa em dobro todo o dano que as partes receberem.

A aliança entre o poder real e os concelhos ia-se formalizando e Portugal caminhava a passos largos para um estado centralizado.
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Para elaboração deste post seguiu-se a "Coleção de livros inéditos de história portuguesa dos reinados de D. Dinis, D. Afonso IV, D. Pedro e D. Fernando publicados por ordem da Academia Real das Ciências de Lisboa pela Comissão de História da mesma Academia, tomo IV 1814" retirado de Google Books

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